Nosso primeiro sistema de numeração teria surgido no Egito antigo, como uma solução engenhosa para contar e catalogar objetos, animais e pessoas. Com o tempo, os números passaram a ser usados também para atribuir valores à propriedade humana — da cesta de ovos às ações da bolsa.

Um efeito colateral inevitável é que as pessoas também passaram a ser contadas e, por consequência, precificadas. Em um tempo em que povos conquistados eram frequentemente escravizados, determinar aos homens diferentes preços era uma forma de ter negociações mais lucrativas, conforme o valor da carga humana. Uma prática que, embora com novas roupagens, continua bem presente nos dias de hoje.

Mas os números também evoluíram de forma a medir e justificar melhorias para o ser humano. Exemplos disso são as criações, em décadas recentes, de diversos índices que avaliam a qualidade de vida e a felicidade no trabalho, como o Índice de Felicidade Total da Revista Você/SA e o Trust Index da metodologia Great Place to Work®, ou mesmo em nível governamental, com o mundialmente utilizado índice de Felicidade Interna Bruta (FIB).

Obviamente a felicidade, busca intrínseca da natureza humana, é determinante para identificar a qualidade de uma empresa e o potencial de engajamento dos seus colaboradores — um estudo publicado em 2011 pela revista inglesa Management Today afirma que pessoas infelizes são em média 40% menos produtivas no trabalho, enquanto que colaboradores satisfeitos podem exercer o dobro deste potencial.

Contudo, seria mesmo possível mensurar numericamente algo tão subjetivo quanto a felicidade? Independentemente da resposta, esta nova medida pode estar dando espaço a uma perigosa armadilha ao clima organizacional: a preocupação em elevar os índices de felicidade para atrair novos talentos e destacar-se no mercado como uma empresa saudável pode estar fazendo com que as companhias promovam práticas artificiais de gestão de pessoas, adotando políticas pasteurizadas, sem levar em conta as idiossincrasias e peculiaridades do seu público interno.

No longo prazo, as consequências deste modus operandi podem ser devastadoras: a desestimulação dos colaboradores ao perceberem os reais interesses por trás das políticas e campanhas internas, a queda na produtividade, o aumento da rotatividade e a evasão dos talentos — que levam com eles, frequentemente, o verdadeiro valor da organização.

Como lidar com este novo dilema? Educando cada nível da organização para que conheça de perto as necessidades e aspirações dos seus pares e subordinados. É claro que pesquisas internas serão extremamente eficientes para identificar estes pontos, mas se as lideranças não estiverem preparadas para ouvir e buscar respostas concretas para os propósitos de seus times, alinhando-os de forma realista com os da empresa, corre-se o risco óbvio de instituírem-se práticas vazias e tão artificiais quanto números em uma planilha de dados.

Por isso, cuidado com as pesquisas e índices “para inglês ver”.

Lembre-se que os colaboradores estão vendo também.



Informamos que esse texto é de inteira responsabilidade do autor identificado abaixo.