Na época da faculdade, às vezes saía mais cedo da aula. Não era para ir ao bar. Queria mesmo era pegar a biblioteca aberta. Dedicava aos livros minha atenção no deslocamento para a instituição de ensino, que durava mais de uma hora para ir e outra para voltar.

Lembro-me como se fosse ontem que algumas pessoas me interrompiam para perguntar: “Como você consegue ler com tanto barulho?”. O pagode no fundão do ônibus rolava solto. Não me importava. As palavras eram a minha alegria. E ponto final.

Minha paixão pelo conhecimento era como uma proteção para os meus ouvidos. Tinha um rapaz que me cutucava e dizia, de brincadeira: “Ah, isso não leva a lugar algum”. Mesmo que os livros não me dessem nenhum retorno, continuaria com o hábito.

Tornei-me um babaca incorrigível. O amor virou vício. Não conseguia mais viver sem leitura, sem debates. Percebi que era grave quando passei a me interessar pelos discursos da TV Senado. Era um caminho sem volta. Não tinha mais cura.

Uma vez, já na pós-graduação, só pude participar da segunda metade de uma aula porque tinha um compromisso antes. Cheguei no intervalo. Abordei um colega e disse: “Vocês devem ter dado graças a Deus de eu não ter vindo. Nem eu me aguento às vezes”.

Naquela noite, havia dois docentes na disciplina. Eis que o outro aluno respondeu: “Que nada! Pelo menos iria ter uma terceira voz na aula”. Ou seja: quando eu não estava, os educadores puderam lecionar sem interrupções, sem o chato para incomodar.

Então, virei professor. E submeti meus alunos a uma overdose de leitura, debate e interpretação de texto. Foram raros os trabalhos em grupo ou as saídas de campo. A paixão pelas palavras e pela troca de conhecimento sempre falava mais alto.

Disse em sala de aula que era uma babaca incorrigível. Uma aluna franziu a testa e comentou: “Como assim, se chamando de babaca?”. Eu me trancava no quarto sábado de noite, com cinco ou seis livros e um copo de Nescafé na mão. Só isso já responderia.

Tem outra explicação para a minha babaquice. Vem de quando assisti a uma palestra interessante. Em um momento do evento, o orador afirmou aos espectadores que, se fosse rico, não estaria ali. Que desrespeito com o público que pagou caro para vê-lo!

Pois bem. Se eu ganhasse 100 milhões de dólares na loteria, continuaria a devorar livros, a dar palestras, a escrever e a fomentar o debate. Seria o mesmo chato que insiste em falar sobre mundo corporativo o tempo todo. Tudo bem, tudo bem. Talvez fizesse isso tudo em Paris.



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