Hermenegildo da Silva acordou cedo naquele dia chuvoso. Enquanto passava a camisa, pensava em como se sentia feliz. Estava prestes a conseguir o trabalho com o qual sempre sonhou. Todas as etapas com o RH estavam concluídas. Só faltava conversar com o diretor.

Chegou à conclusão de que, para obter a vaga, precisava agir com a mesma naturalidade das fases anteriores do recrutamento. Afinal, se preparou uma vida inteira para isso. O que poderia dar errado? O café que tomou antes de sair, quentinho, foi um dos melhores.

A chuva apertou assim que saiu de casa. A visibilidade no trânsito estava comprometida. Para Hermenegildo, nada importava. Aquele seria o melhor dia da vida dele. Então, não havia motivo para ser cauteloso. Andou acima da velocidade permitida na rodovia.

Para comemorar a futura conquista, som alto no carro. Ele cantarolava como se não houvesse amanhã (e como se tivesse talento para isso). Percebeu que uma fila se acumulou na estrada. Reduziu a velocidade e se aproximou do veículo da frente, a uma distância segura.

Parece, no entanto, que o motorista que vinha atrás não teve mesmo cuidado. Freou muito em cima da hora e bateu na traseira do carro de Hermenegildo. Irritado, ele saiu do automóvel e foi tirar satisfação com o outro condutor. A chuva era muito intensa.

O candidato se incomodou tanto com aquilo que se esqueceu da conversa com o diretor. Ficou ensopado em poucos segundos. Olhou para o interlocutor e disse: “Seu burro!”. O outro respondeu: “Amigo, está chovendo muito. Vamos encostar o carro ali para conversar!”.

Não satisfeito, Hermenegildo insistiu: “Seu burro!”. O motorista tentou manter a calma. Após a batida, os carros ficaram colados. Então, para que fosse possível identificar as consequências do acidente, o condutor de trás deu à ré. Nenhum arranhão, nenhum dano.

Hermenegildo olhou para o relógio e viu que ainda dava tempo de chegar no horário marcado. Mostrou o dedo do meio para o homem que atrapalhou o dia dele e entrou no carro novamente, não sem antes resmungar algumas ofensas.

Com peso na consciência, apesar de não ter causado prejuízo, o motorista escreveu um bilhete e conseguiu entregar a tempo para Hermenegildo. Nele, constava um número de telefone e uma assinatura: Paulão. Isso para caso identificasse algum problema decorrente da batida.

No trajeto, Hermenegildo usou o ar quente do carro para se recompor. Ao chegar à empresa, foi recebido pela gerente de RH. Ela informou que a contratação dele agora dependia apenas do crivo do diretor. Trouxe um café e explicou: “O Dr. Paulo irá atendê-lo em instantes”.


Informamos que esse texto é de inteira responsabilidade do autor identificado abaixo.