Inicialmente, devem ser consideradas as diferenças que existem entre ver e observar. A visão fundamenta-se basicamente em dois processos: um que se apoia na fisiologia dos órgãos sensoriais associados, e outro que se apoia no registro, interpretação e incorporação das imagens ou eventos que estão sendo vistos em certas áreas do sistema nervoso central. No entanto, em alguns casos, esse segundo processo não acontece. Apesar das imagens serem captadas pelos olhos, elas não chegam a ser conscientizadas – é como se a pessoa, apesar de estar olhando para algum evento, não o registrasse realmente.

Por outro lado, a observação, além de poder estar ou não relacionada apenas à visão, implica em que, necessariamente, haja um agente consciente que registre e incorpore o que está sendo observado de forma ativa. Assim, durante a observação, a pessoa percebe o fenômeno que está acontecendo de forma atenta, procurando realmente reconhecer as minúcias e detalhes que estão envolvidos nele. Como consequência, o ato de observar um fenômeno implica em que ele seja incorporado pelo indivíduo e passe a fazer parte de suas experiências e de seu modelo pessoal. Porém, existe uma complicação a mais que precisa ser considerada acerca desse tema.

A informação que cada indivíduo recebe de seu meio é processada pela personalidade, que impõe seus próprios conteúdos sobre ela. Por isso se diz que não há uma apreensão objetiva da realidade, e sim uma apreensão pessoal. Aquilo que é observado passa por uma série de filtros que surgem ao longo do desenvolvimento de cada indivíduo, de sua história de vida e experiências prévias, e nesse processo, assume contornos muito específicos e pessoais. É nesse contexto que a técnica da auto-observação é apresentada. Ela implica no desenvolvimento de uma atitude de observar a realidade e ao mesmo tempo, observar a si mesmo, permitindo, num primeiro momento, estudar como a personalidade reage frente aos eventos.

Esse objetivo inicial consiste em adquirir uma maior consciência dos filtros citados acima e perceber de forma imparcial, como os limites, condicionamentos e conteúdos da personalidade influenciam na percepção. O segundo passo consiste em desenvolver um agente observador que seja capaz de localizar-se fora da dimensão da personalidade. Ou seja, essa prática acarreta o desenvolvimento gradual de uma nova dimensão de ser que passa a atuar como um novo ponto de perspectiva a partir do qual a realidade pode ser observada de forma mais objetiva e menos poluída pelos conteúdos da personalidade. Essa nova estrutura formada ao longo do processo recebe o nome de Eu Observador, e passará a atuar como um repositório da identidade, de forma a permitir que o indivíduo mantenha-se livre do processo de identificação com a personalidade e com o ego. Pois, no estado chamado de identificação, que é característico do homem adormecido, ao entrar-se em contato com as coisas, perde-se a identidade, ou seja, a sensação de ser se confunde ora com elementos e eventos externos, ora com os processos internos que a personalidade mecanicamente desencadeia.

Disso decorre uma das definições possíveis de consciência que consiste na capacidade do indivíduo estar ciente de si mesmo e ao mesmo tempo, ter uma ciência objetiva das coisas. O indivíduo consciente deve ser capaz de manter sua sensação de ser ou sua identidade ao mesmo tempo em que observa a si mesmo frente aos eventos da realidade, que podem então ser observados de forma livre dos limites e filtros que a personalidade impõe.



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